Daniel Rezende Queiroz
Engenheiro Civil e Project Manager, PMP
Blog / BIM & Construction Management
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Que a metodologia BIM traz benefícios para os envolvidos em qualquer tipo de projeto de engenharia, já é quase senso comum, mas como isso se aplica aos projetos ferroviários? Para responder à pergunta anterior, necessitamos esclarecer o que é um projeto ferroviário e quais são as disciplinas envolvidas. Também é necessário deixar claro que existem diversos tipos de ferrovias.
O presente artigo tratará de ferrovias de transporte de carga, geralmente com grande extensão e implantadas em áreas rurais, evitando ou contornando aglomerações urbanas. Essa delimitação é importante, porque podemos ter ferrovias para transporte de passageiros em áreas urbanas, metrôs, entre outras modalidades, que apresentarão várias especificidades, além das considerações listadas aqui.
As pessoas têm buscado implantar BIM nos projetos para alcançar alguns benefícios, porque implantar BIM em uma empresa implica em custos e horas dedicadas que poderiam ser gastas em outras iniciativas. Quais são os benefícios usualmente esperados da implantação de BIM em projetos de ferrovias?
A resposta desta pergunta está usualmente relacionada a redução de custos, redução de erros, redução de conflitos, aumento da lucratividade, melhoria da comunicação e coordenação, além da diminuição do retrabalho ao longo do ciclo de vida do empreendimento. Para que os benefícios indicados acima possam ser alcançados a Pennsylvania State University identificou inicialmente 25 casos de uso para o BIM, conforme destacado na “Coletânea Implementação do BIM para Construtoras e Incorporadoras” da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), dentre os quais podemos destacar como sendo mais comuns em projetos de ferrovias os seguintes:
Como esses casos de uso do BIM e benefícios esperados se relacionam com projetos ferroviários, além de algumas dificuldades atualmente enfrentadas na implementação, é o que será discutido na sequência.
Projetos de ferrovias são por natureza projetos multidisciplinares e envolvem uma grande variedade de profissionais, especializados em diferentes disciplinas. No quadro seguinte temos uma lista das possíveis disciplinas envolvidas em projetos ferroviários.
Um projeto específico pode não conter todas as disciplinas listadas acima, mas provavelmente envolverá boa parte destas e uma gama muito variada de profissionais. Por isso, quando falamos de modelos/informações BIM para ferrovias, necessitamos atualmente falar de maneira obrigatória em Modelos Federados, pois diversas pessoas estão criando modelos para as diferentes disciplinas apresentadas e também diversos softwares/tecnologias são utilizados em cada disciplina.
No contexto de projeto de ferrovias, é improvável que os mesmos profissionais atuem no desenvolvimento do projeto de disciplinas tão diferentes quanto geometria e OAE (pontes e viadutos), também é improvável que o mesmo software utilizado para a elaboração do projeto geométrico seja utilizado para o detalhamento estrutural de OAE.
Analisando algumas disciplinas mais comumente presentes nos projetos de ferrovias, podemos ter uma ideia de como funcionaria um modelo federado nesses projetos. A figura seguinte apresenta as principais disciplinas envolvidas, conforme apresentado pela VALEC em 2019, mas não engloba todas as envolvidas.
Principais disciplinas de projeto de ferrovías. Fonte: VALEC, 2019.
Antes eu havia mencionado Modelo Federado, espero que agora esteja mais claro que este modelo consiste da agregação dos dados/modelos provenientes de cada uma das disciplinas apresentadas, além de outras disciplinas eventualmente envolvidas, para compatibilização e visualização do projeto como um todo.
É importante destacar que embora exista um fluxo natural de informações e desenvolvimento do projeto de ferrovias, ou seja, a partir topografia e dos estudos de traçado são locadas as sondagens, depois é desenvolvido o projeto geométrico, na sequência são desenvolvidos os projetos de terraplenagem e OAE, por último seria feito o orçamento, por exemplo, o desenvolvimento do projeto não é linear. Imagine a título de exemplo o cronograma macro apresentado abaixo.
Imagine que no 6º mês quando você está detalhando as OAEs, houve uma necessidade de alteração no comprimento da ponte ou no tamanho do vão. Essa alteração certamente implicará em alterações nos aterros de encontro, que precisarão ser incorporadas na distribuição do projeto de terraplenagem, o que implicará também em alterações na geometria do aterro de encontro e pode ainda necessitar de sondagem adicional.
Para o cenário descrito no parágrafo acima e se o seu cronograma for igual ao da figura anterior, você gastará horas adicionais dos profissionais de disciplinas nas quais você achou que o serviço já teria acabado (como geometria e terraplenagem), sendo que pode ser que os profissionais dessas disciplinas já tenham até sido desmobilizados do projeto. Esse é um dos principais motivos de atrasos e prejuízos em projetos de engenharia. Cronogramas como o da figura anterior apresentam um erro conceitual que vai contra os princípios tanto da metodologia BIM, quanto da Engenharia Simultânea.
O objetivo deste artigo não é se aprofundar na Engenharia Simultânea, mas em um contexto BIM onde as disciplinas podem ser mais facilmente conectadas e integradas, é necessário ter uma equipe multidisciplinar ao longo de boa parte do projeto, reduzindo o tempo total do mesmo, mas intensificando a atuação dos profissionais e a colaboração entre eles, para que diversos aspectos do projeto sejam considerados simultaneamente, atendendo às expectativas dos diversos stakeholders envolvidos.
A figura seguinte apresenta um exemplo de cronograma dentro de um contexto de BIM e Engenharia Simultânea, no qual inclusive parte das equipes de planejamento da construção e orçamento (CapEx) são envolvidas desde as etapas iniciais do projeto para validar as alternativas sugeridas pelas disciplinas de engenharia.
O BIM para infraestrutura pode ainda não ser perfeito, mas tem ajudado consideravelmente na aplicação de conceitos de Engenharia Simultânea em projetos, para que sejam alcançados os benefícios esperados de sua implantação.
Depois de tudo que foi apresentado até agora, é natural que surja a seguinte questão: “Se o BIM é tão bom, por que não está atualmente implantado em todos os projetos? ” Podemos de certa forma, dizer que a resposta dessa questão gira em torno de 4 aspectos principais: tecnologia, processos, pessoas e estratégias. Na esfera de tecnologia e softwares existem algumas limitações, por exemplo:
Do ponto de vista de processos, uma questão extremamente importante é o alinhamento da modelagem dos objetos com os critérios de medição e orçamentação dos mesmos. Se alguns dos principais benefícios esperados da implantação do BIM dizem respeito à: Levantamento de quantidades, Estimativas de Custos e Orçamentos, e ainda Coordenação especial; é necessário que os objetos modelados estejam devidamente georreferenciados no local correto, mas também tenham propriedades e parâmetros que permitam sua quantificação de maneira precisa e automatizada. Imagine que a figura seguinte represente duas possibilidades de modelagem de um bueiro.
A primeira opção é menos detalhada, enquanto a segunda apresenta mais detalhes. Qual seria a melhor opção para representar um bueiro em um projeto de ferrovia? Minha sincera opinião é que tanto faz adotar qualquer uma das duas opções apresentadas, desde que estejam com dimensões corretas (diâmetro externo por exemplo) e espacialmente no lugar certo (georreferenciado). O que realmente importa é que o elemento do modelo tenha propriedades e parâmetros alinhados com os critérios de medição e construção do mesmo. Por exemplo, se o critério de medição do bueiro é por metro linear e para planejar a construção eu preciso saber a quantidade de aduelas necessárias, não me adianta muito saber o volume do elemento em metros cúbicos, porque essa seria uma informação sem relevância para o caso de uso e benefícios que esperamos alcançar.
O nível de desenvolvimento (LOD), ou nível de detalhamento, ou ainda nível de abstração, de cada elemento do modelo tem que estar devidamente alinhado com os processos necessários para que sejam realizados os casos de uso definidos e assim possam ser alcançados os benefícios esperados. Mas essa é uma conversa que precisará ficar para depois e ser detalhada em outro artigo.
Preparar as pessoas para trabalharam no contexto do BIM também não é tarefa muito simples. Hoje eu posso dizer que consigo operar razoavelmente vários dos softwares envolvidos nos processos, mas o meu caminho foi longo e quando as pessoas elogiam o meu conhecimento de Civil 3D por exemplo, me sinto até meio bobo, porque pelo tanto que eu estudei esse software, eu deveria saber até mais.
Foram diversos livros (muitos mesmo, os da figura acima são só um pequeno exemplo), treinamentos, testes e práticas, até ter o conhecimento necessário para desenvolver projetos de maneira adequada.
Acredito que com os cursos específicos que existem atualmente, tanto na esfera técnica quanto de processos, essa curva de aprendizado possa ser bem mais curta e, cada vez mais pessoas estejam capacitadas e aptas a trabalhar nos projetos.
No campo das estratégias, diversas empresas incluíram em suas prioridades a implantação da metodologia BIM, além do governo federal que tem diversas iniciativas já abordadas em outros artigos. Essa atuação no campo estratégico é fundamental para que sejam conscientizadas as pessoas que tomam as decisões de nível hierárquico mais altas e seja feita a previsão de recursos para aquisição de softwares, treinamentos de pessoas e revisão de processos.
Quando pensamos na situação da migração da prancheta para o CAD, que começou no início dos anos 80, e lembramos daquele nosso amigo Joãozinho (nome fictício), que trabalha o dia todo fazendo plantas e desenhos no CAD, e até hoje erra o Layer dos objetos, explode os blocos, ainda preenche o carimbo errado, percebemos que ainda falta muito para aprendermos a usar o CAD 2D dentro de todo o seu potencial. Apesar disso, os passos evolutivos representam caminhos sem volta.
Alguma vez você já ouviu algum cadista fazendo a seguinte afirmação: “Esse CAD trava demais, é muito lento para trabalhar, não dá mais! Vou voltar para prancheta.” Pois é, eu já fui cadista e nunca ouvi, e acho difícil que depois que você inicie a trabalhar com modelos 3D com informações, você tenha vontade de trabalhar com modelos 2D novamente.
A mesma situação que acontece com Joãozinho e o CAD, acontecerá com nós mesmos e com o BIM. Estaremos implantando de maneira imperfeita e utilizando os modelos de modo razoavelmente incorreto ainda por um bom tempo, mas não é por causa dessas falhas que devemos optar por não adotá-lo e utilizá-lo, pois precisamos realizar os benefícios do BIM, mesmo que parcialmente, a partir de agora, imediatamente.
Vários dos exemplos que foram citados representam uma oportunidade imediata de aplicar a metodologia BIM em projetos de ferrovias. Queria aproveitar e agradecer pelo tempo que você dedicou na leitura desse artigo, lembrando ainda que essa foi apenas uma conversa inicial. Tenho certeza que no futuro teremos muitas oportunidades para aprofundar as discussões desse tema.
Referências:
CBIC, Coletânea disponível em https://cbic.org.br/faca-o-download-da-coletanea-bim-no-site-da-cbic/ VALEC, Normas disponíveis em https://www.valec.gov.br/a-valec/governanca/normas
Daniel Rezende Queiroz
Engenheiro Civil e Project Manager, PMP