A metodologia BIM já provou conseguir trazer para o campo da construção civil muitos benefícios, entre os quais a redução de custos, a minimização de erros, a optimização dos materiais e a redução do tempo do projeto. No entanto, a área de aplicação de BIM é muito mais ampla. A nível de infraestrutura, no que diz especialmente respeito ao setor ferroviário, BIM tem mostrado ser de grande importância e utilidade. Quer saber como?
Foi este o tema de conversa de Gabriel Daher e NT Expo com Washington Luke, engenheiro, mestre em estruturas, diretor de empreendimentos da VALEC Engenharia e coordenador executivo da Frente Parlamentar BIM em Brasília e também Diretor do Master Internacional em BIM Management para Infraestruturas, Engenharia Civil e GIS da Zigurat. Leia a entrevista para ficar a saber mais!
O que é BIM e quais as vantagens de utilizá-lo nas ferrovias?
Washington Luke: O BIM (“Building Information Modeling”, ou “Modelagem da Informação da Construção”), é uma plataforma que integra diversas informações técnicas de um empreendimento a ser construído em um único ambiente de projeto.
A Modelagem da Informação pode ser compreendida com o conjunto de tecnologias e processos integrados que permite a criação, utilização e atualização de modelos digitais de uma construção, de modo colaborativo, servindo a todos os participantes do empreendimento durante todo o ciclo de vida da construção.
O BIM em projetos de infraestrutura, ou seja, em obras lineares, ainda caminha de forma mais cautelosa, mas é considerado essencial para levar a indústria da infraestrutura brasileira à vanguarda mundial.
Importante reforçar que a plataforma BIM é utilizada há anos nas maiores economias do mundo, como Estados Unidos, Rússia e China. Apesar disso, apenas 9,2% dos projetos de engenharia no Brasil utilizam essa metodologia, o que demonstra o espaço e possibilidade de crescimento da plataforma no país.
Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas, o BIM pode reduzir em até 9,7% os custos totais das obras e diminuir em 20% nos custos dos insumos adquiridos, o que mostra a enorme possibilidade de investimentos futuros em obras lineares, em especial em construções de ferrovias dado o potencial de economicidade.
Entre diversas outras funções e finalidades, a metodologia permite, por exemplo, o levantamento de quantidades, a estimativa de custos e a realização de análises diversas antes de efetiva execução da obra, o que é fundamental em obras de construção de ferrovias.
A construção de uma ferrovia é um projeto complexo com diversos tipos de situações que precisam ser extremamente bem planejadas.
Quando executadas com recursos públicos precisam de maior acurácia e eficiência, ampla transparência e elevada governança, e o BIM pode contribuir no processo de planejamento e tomada de decisão.
A metodologia do BIM proporciona alguns diferenciais como a possibilidade de redução de erros de compatibilidade, melhor otimização dos prazos, graus elevados de confiabilidade dos projetos, processos melhor elaborados de planejamento e controle de obras, aumentos sensíveis do nível de produtividade, bem como a diminuição de custos e riscos dos recursos utilizados nas obras, tornando o uso em obras ferroviárias extremamente indicado.
No passado, a utilização do BIM em obras ferroviárias era uma possibilidade, talvez até algo novo ou de vanguarda, hoje, ou melhor nos dias atuais a utilização da metodologia passou a ser uma questão quase que obrigatória.
Quais as aplicações do BIM no setor ferroviário
Washington Luke: Em atividades de projeto, o BIM amplia o grau de confiabilidade nas estimativas de custos e no cumprimento dos prazos, com ênfase especial para a redução da incidência de erros e imprevistos, ou no limite do desejável até a sua eliminação. Além disso garante uma maior transparência no processo de compras e contratações e assegura maior qualidade às obras. A partir de simulações é possível compatibilizar várias disciplinas resultando na prevenção de falhas e erros de projeto e mitigando riscos ainda na fase de planejamento.
O anteprojeto, o projeto básico e mesmo o projeto executivo com o seu conjunto de especificações técnicas e o respectivo orçamento referencial podem ser desenvolvidos de maneira coordenada e colaborativa, com significativo aumento da capacidade de visualização e análise e compatibilização dos elementos das diferentes disciplinas.
Na medida em que se tem a melhoria de um dos projetos em determinada disciplina pode ser transmitido para as outras disciplinas de forma inteligente e automática com todas as suas informações agregadas e o tipo alteração pretendida, permitindo a análise, a atualização e o ajuste das demais disciplinas e do orçamento concomitantemente.
O BIM ainda pode ser aplicado em todo o ciclo de vida da construção, e podemos pensar também na gestão ferroviária. Mesmo depois do empreendimento pronto, hoje com uso e a integração com a Internet das Coisas e modelos de Inteligência Artificial já se vislumbra possibilidade do seu uso na operação da ferrovia, na manutenção das linhas férreas, na prevenção de acidentes e em outros diversos mecanismos de aprimoramento da gestão do transporte de carga ou das pessoas, o que resulta em ganhos de eficiência e qualidade dos serviços prestados aos clientes ou cidadãos.
Ressalte-se que as informações agregadas ao modelo virtual proporcionam ao proprietário eficiência na gestão e manutenção dos seus ativos. Fazendo uma singela analogia, se o profissional do BIM fosse comparado a uma criança, o BIM seria um verdadeiro parque de diversões ou uma enorme brinquedoteca, dado a ampla teia de possibilidades do seu uso prático.
Quais as limitações do BIM em projetos ferroviários?
Washington Luke: Inicialmente é importante registrar que o BIM deve ser compreendido como um arranjo que envolve pessoas, processos e tecnologia. Portanto todo contexto deve ser avaliado considerando as dimensões anteriores. Além disso, é fundamental que esteja consagrado na estratégia da empresa ou da corporação, seja ela do setor público ou do setor privado e respeitando o nível de maturidade da metodologia BIM no âmbito interno.
Do ponto de vista tecnológico é inegável o avanço e a quantidade de soluções de tecnologia disponíveis no mercado, mas é importante registrar que a grande maioria delas foi desenvolvida para obras de edificações e adaptadas para obras lineares, portanto ferrovias ou rodovias. Assim, não é raro a “improvisação” de alguns tipos de objetos disponíveis em determinadas ferramentas tecnológicas, o que nem sempre é adequado para adaptar em obras ferroviárias.
Além disso, existem problemas com a ausência de bibliotecas digitais para algumas disciplinas de engenharia, e os padrões das ferramentas são sempre diversos, dessa forma a falta harmonização dos depositórios de informações cria dificuldades ao profissional projetista, tomando tempo que poderia ser destinado a outra prioridade.
Ainda em relação à questão tecnológica não existe atualmente um formato de dados universal, ou seja a necessária interoperabilidade ainda não pode ser considerada como resolvida, dado a ausência dos objetos de obras de infraestrutura linear, limitando por consequência a atuação dos profissionais do setor.
Vale dizer também que falta às organizações um melhor entendimento em relação a importância do BIM e seu caráter transversal, ou seja, a questão da estratégia disseminada precisa estar presente em toda organização.
Por vezes, depara-se com situações que temos empresas comprando soluções tecnológicas em BIM, sem ainda ter um Plano de Implementação ou de Implantação aprovado pela alta administração da empresa e mesmo até um BIM Mandate, com os requisitos mínimos do que se quer comprar, e como tais ferramentas poderão ser utilizadas ou até mesmo como receber produtos e serviços entregues em BIM pelos parceiros contratados, gerando confusão e atropelos, retrabalho e desperdício, quando deveria ser o contrário.
Desnecessário dizer da importância que os hardwares que irão suportar as soluções tecnológicas sejam adequados aos requisitos definidos pelos fabricantes, pois isso também pode gerar uma limitação.
Propositadamente deixando para o final, a questão mais importante são as pessoas. Para atuar com o BIM o profissional necessita estar extremamente bem treinado e motivado. Além disso, precisa compreender bem o seu papel na organização e a importância do seu trabalho.
Mais do que isso é fundamental que a liderança das empresas tenha como foco a tradução da estratégia corporativa para que todos os profissionais estejam alinhados, ou seja, em resumo a limitação do uso do BIM em ferrovias é a mesma de obras de edificações, talvez apenas um pouco mais complexa dado o nível de investimento e de dificuldade de uma obra ferroviária.
Exemplos do uso do BIM em ferrovias: Estação Garibalde, na Itália, e Linha North West Rail Link, na Áustralia
Washington Luke: As duas obras são efetivamente bons exemplos da utilização do BIM em estações ferroviárias, notadamente para transporte de passageiros uma vez que em muito países do mundo, o transporte ferroviário de passageiros é quase sempre o mais adequado para grandes distâncias e conjugado com integração metrô-ônibus a melhor opção dos grandes centro urbanos em relação a mobilidade de pessoas.
Avaliando outros exemplos, podemos citar o projeto da CROSSRAIL, no Reino Unido, que passou a adotar o BIM em 2007, porém só passou a ser efetivo em 2019. Ele foi usado com sucesso no projeto da ferrovia.
Ou ainda, na Malásia, um bom exemplo é o sistema de transporte rápido em massa na cidade de Kuala Lumpur. Essa é a maior obra de infraestrutura da Malásia, iniciada em 2011 e prevista para ser concluída integralmente em 2021. Esse corredor de transporte de 60 km envolve um investimento estimado em quase 40 bilhões de reais, cujo projeto de extensão é uma linha ferroviária que atravessa uma área urbana altamente densa com 35,5 km de trilhos e 25 estações, e todo o projeto foi elaborado em plataforma BIM.
Outro interessante uso do BIM ao redor do mundo é o projeto coreano de construção do lote ferroviário de alta velocidade Honam N° 4-2 composto por 6 pontes e 2 túneis com um comprimento total de 9,38 km e a execução deve ser concluída em apenas 31 meses. Na oportunidade para controlar o custo detalhado e o processo de construção, o sistema integrado de gerenciamento de construção baseado em BIM foi adotado.
Outro caso pitoresco vem de Marrocos que possui um programa de investimentos em que consta a construção de 1.500 km de linhas ferroviárias de alta velocidade até 2035 e a empresa Colas Rail Maroc contribui realizando o projeto e a execução do traçado e das obras básicas. Embora não houvesse obrigação contratual de integrar o BIM neste projeto, a empresa responsável deliberou realizar a modelagem da subestação elétrica da ferrovia seguindo o processo BIM.
Uso do BIM em ferrovias do Brasil avança com bons resultados
Washington Luke: A empresa Rumo Logística operadora ferroviária da FNS – Ferrovia Norte Sul nos tramos Central e Extensão Sul tem avançado no uso da metodologia em projetos ferroviários e seus resultados têm sido comemorados. Na mesma linha, a CPTM – Companhia Paulista de Trens Metropolitanos vem caminhando a passos largos com o uso do BIM em seus projetos dado a importância de sua malha para a mobilidade urbana do Estado de São Paulo.
Por derradeiro a VALEC, como parte integrante da Administração Federal e cujo foco principal está em sua função social de construir e explorar ferrovias, tem utilizado com bastante sucesso a metodologia BIM, em especial com a integração BIM e GIS – Sistemas de Informações Geográficas na gestão dos processos de desapropriações de suas áreas e em processos de gestão ambiental com bastante sucesso e com projetos inovadores nas construções das ferrovias FIOL e FICO, obras da maior relevância para a matriz de transporte brasileira.
Conclusão
Esta entrevista realizada por Gabriel Daher e NT Expo a Washington Luke nos dá evidências de que muitos avanços estão a ocorrer dentro do setor ferroviário. A implementação da metodologia BIM no setor é bastante promissora, mas para aproveitá-la da melhor forma são necessárias pessoas com conhecimento especializado capazes de liderar uma equipe multidisciplinar e dinâmica de profissionais.
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